terça-feira, 26 de julho de 2011

A CABRA VADIA II

beto o tristão

Nenhuma oportunidade poderia ser mais oportuna do que o clássico entre o Fluminense e Palmeiras para receber um convidado ilustríssimo para participar das entrevistas imaginárias do quadro A Cabra Vadia.

Diretamente do além, não se sabe de qual, do inferno ou do céu, o quadro hoje contará com a participação do seu idealizador, um dos maiores dramaturgos do país, tricolor doente, o brasileiro mais brasileiro de todos (o que nunca deixou de acreditar nos escretes brasileiro), o homem que defendia ferrenhamente o país administrado pelo militares, Nelson Rodrigues.

Nelson, também conhecido como o tarado do Rio de Janeiro, fará revelações, analisará o atual momento do futebol, a sua relação com a imprensa, o seu impasse com as mulheres e é claro, a sua relação com os militares e a classe artística do país.

Mas antes de dar início à entrevista, gostaria de pedir desculpas pela minha ausência e da cabra. Essa vadia passou por problemas estomacais, se é que posso dizer dessa maneira, por ingerir capim contaminado! Quem diria, na era dos alimentos saudáveis os agrotóxicos fizeram mais uma vítima (isso que da contratar uma cabra domesticada). Mas o problema já foi resolvido, iremos trazer o combustível do animal direto de Massachusetts, Ohaio.


Nelson, primeiro é uma honra recebê-lo aqui, nesse cenário criado por você onde tudo pode e é possível. E espero que tome o relançamento desse quadro como uma pura e simples homenagem do nosso Blog, Ordinários Flutebol Clube, os craques do óbvio. Também espero que todos os seus pedidos e solicitações tenham sido atendidos.

Vamos lá......

O.FC – Sr Nelson, como foi a viagem?

N.R – Infelizmente meu caro, não estou autorizado a falar sobre isso! Uma das exigências das autoridades é não falar nada a respeito!

O.FC – O café, os cigarros, a máquina de escrever e as roupas estão do seu agrado?

N.R. – Sim, estão. Todos aqui estão se esforçando ao máximo para me receberem bem!

O.FC – O sr assistiu ao clássico de domingo? O que achou?

N.R. – Assisti sim, mas não gostei do que vi...quero dizer, viram! Assisti o jogo ao lado de uma turma interessante meu caro, junto com meu irmão Mario e com o mestre Telê. Inclusive, aproveito para agradecer em nome do mestre a homenagem feita por vocês. Ele adorou a homenagem....

Bem, como estava dizendo, Mario, quem me transmitiu os lances do jogo, não estava muito atento a partida. Mas o que posso dizer? Meu tricolor ganhou, somamos e isso que importa nesse campeonato de pontos corridos. Estávamos comentado a respeito esses dias, sobre esse modelo e sinceramente? Preferimos os campeonatos nos antigos moldes, com finais..... Saudosos? Provavelmente....

O.FC – Como era escrever a respeito dos jogos sem enxergá-los. Esse fato é um dos mais comentados entre aqueles que o admiram seu Nelson.

N.R. – (risos) é, mas eu tomava nota dos comentários dos meus companheiros. Era mais ou menos o mesmo processo da criação dos meus personagens e dos seus diálogos em meus contos e peças. Ligava pra um, pedia opinião de outro, escreviam cartas e assim eu caminhava. Bem, acho que a fórmula deu certa!

Nota do blog – Nelson não enxergava muito bem e quando acompanhava seus jogos aos domingo no Maracanã, no eterno palco do futebol, precisava que alguém contasse o que tinha acontecido nas partidas. E como bem definiu Ruy Castro, mesmo Nelson não enxergando quase nada, quase ninguém conseguia retratar como ele as partidas de futebol.

O.FC. – Fale-nos do seu jargão, o obvio ululante. De onde surgiu seu Nelson?

N.R. – (risos) é que para mim, ninguém enxerga o obvio. E para alguns ele é detestável e desprezível. Passei a usar esse “jargão” para definir lances e descrever fatos onde o obvio era tão obvio, que insistiam em não enxergar ou ignorar.

O.FC – O sr sempre foi um entusiasta do futebol canarinho. Ao que se deve tanto otimismo, mesmo quando os mais céticos dos céticos previam o fracasso?

N.R. – Eu sempre acreditei no escrete brasileiro. Na copa de 70, quando fomos tri, quase ninguém acreditava nesse time. Saíram daqui criticados, sem esperança! Hoje todos falam o obvio, que foi o melhor time de todos os tempos. Mas na época não foi assim, o estigma do fracasso nos perseguia, mesmo com 02 títulos no curriculum. Essa idéia perseguia os brasileiros. Mas na época eu me cansei de escrever sobre o time do Brasil, dizendo que seríamos campeões naquele mundial. O Brasil só perde pra ele mesmo e quando deixamos aquele sentimento de “vira-lata” de lado, nos tornamos invencíveis.

O.FC – Não sei se há onde está nesse momento, televisão, rádio ou Internet, mas o Sr tem acompanhado futebol desde a sua, digamos, morte?

N.R. – tenho sim, tenho acompanhado. Mas confesso que sem muita assiduidade. O futebol moderno perdeu a graça, a magia e o encanto. Para quem viu jogadores como Didi, Garrincha, Dada, Tostão, Pele, Riva, Gerson, Dudu, Da Guia.....fica difícil olhar pro campo e ver esses garotos, todos sem personalidade alguma, jogando bola. Todos aqueles eventos que aconteciam no Maracanã lotado, as rivalidades sadias entre as torcidas, os épicos clássicos entre Flamengo e Fluminense...tudo ficou pra trás. Só o que há hoje é dinheiro, não existe mais amor ao clube e a camisa.

O.FC – Como analisa o futebol atual?

N.R. – Eu falava muito do obvio e o futebol está cada vez mais obvio! Os bons jogadores estão cada vez mais escassos e raros. Podemos citar um ou outro, como o Massi......

O.FC – É Messi mestre......

N.R. – isso, esse mesmo. Podemos citar o Messi e esse outro garoto brasileiro que mais parece um índio! Mas querem saber, pra mim não há a menor magia nisso tudo. Tenho assistido mais os filmes hollywoodianos.....como ficou incrível esse negócio de efeito especial não?! Rapaz, levo cada susto......

O.FC. – E o futebol feminino, o sr acha que é o mesmo efeito da síndrome do “vira-lata” enfrentada outrora pelos homens?

N.R. – Sinceramente acho que nesse caso não! As meninas fazem milagre com as condições que recebem no país para trabalharem. Ao contrário das gringas que estudam e recebem apóio em competições de alto nível em seus países. De qualquer forma, nós temos talento. Isso sempre teremos....e está na hora dele vencer a organização e a pressão que as norte americanas imprimem sobre a gente. Essa pressão toda pesa para as meninas....mas já demonstramos que podemos vencê-las, então ta mais do que na hora. Vendo por esse lado, talvez tenha um pouco sim.... Confesso que nunca tinha pensado por esse lado! Mas falta organização e condições para uni-los ao talento das meninas.

O.FC – O que achou da vitória uruguaia?

N.R. – Não sei, estava viajando pra ca, não acompanhei. Ganharam então? Interessante.....


Mudando um pouco de assunto seu Nelson....

O.FC. – O sr já concluiu depois de todo esse tempo, porque o chamavam de tarado? Mudou alguma coisa a esse respeito, analisando depois de pouco mais de 30 anos da sua morte?

N.R. – Olha, sempre fui um eterno apaixonado pelas mulheres. Quando eu as via e acontecia de ser tocado pela paixão, não media esforços para me aproximar e ser notado. E isso, independia da sua idade...credo, cor ou raça. Amo e amei todas as minhas mulheres intensamente.

O.FC. – Mas o sr não acha que isso está ligado às suas peças de teatro?

N.R. – É, sem dúvida. As minhas peças, na época em que foram produzidas, causaram muito impacto. O teatro brasileiro seguia uma única linha, muito próximo do que chamam hoje de comédia. Quando trouxe uma nova proposta para as minhas peças teatrais, também fui muito criticado. Alinhado a isso, os vocabulários e os temas também eram muito polêmicos, abusados....eram quase um escárnio. Buscava sempre retratar o cotidiano, fatos da vida comum, mas que as pessoas ignoravam e não falam por pura falta de coragem. Sempre retratei as traições, os incestos, crimes, mortes trágicas.....nenhuma mentira, mas de fato eram temas delicados, que as pessoas preferiam ignorá-los. Tanto que fui perseguido, vaiado.....censurado...censurado inúmeras vezes.

O.FC – Porque o sr usava tantos pseudônimos para escrever seus contos?

N.R. – Ai era uma questão de “lógica”. Era mais fácil compor as histórias e assiná-las como uma mulher. Os assuntos tocados por mim nesses contos, como em “Meu destino é pecar”, (Suzana Flag), faziam mais parte do universo Feminino. Decidimos, por assim dizer, eu e meu editor, decidimos criar a Suzana. Na época já sofria com a mídia!

O.FC – Quero aproveitar para tocar em um assunto polêmico Sr Nelson. Sei que falava sobre isso abertamente, mas como foi descobrir a existência e a prática de tortura no país na época da ditadura?

N.R – É, foi um golpe duro em tudo que eu acreditava e defendia. Eu que confiei na palavra do Medice que outrora me dera a sua palavra de que nesse país nunca tinha existido tortura, percebi que de fato existira da pior maneira possível depois da prisão do meu filho Nelsinho, envolvido com o movimento estudantil e com a luta armada.

O.FC – Você foi próximo do ex-presidente Médice? Como se deu esse encontro entre vocês?

N.R. – Em um jogo no Maracanã um amigo em comum nos apresentou. Medice sempre foi apaixonado pelo futebol e gostava de ler o que eu escrevia a respeito do esporte. Nessa mesma oportunidade, fui convidado por ele para ir ver um jogo em São Paulo no Morumbi com ele. A viagem seria no avião presidencial, mas não viajo nesse meio de transporte. Graças ao meu medo, já perdi três copas do mundo. E essa viagem nos aproximou de alguma forma e eu me senti à vontade de lhe perguntar e tomar a sua palavra de que no Brasil não existia tortura.


.......eis que Nelson simplesmente para de falar, interrompe a entrevista e anuncia que deve partir. Coisas do acaso meu caro.

E no momento que me viro para pegar um dos meus livros e pedir seu autógrafo antes da sua partida, ele desaparece. Ficaram apenas as roupas, a velha máquina e o café, todos intactos. Será que ele apareceu aqui mesmo?.....ou tudo foi fruto da minha imaginação? Bom, fica o registro....para mim e para a Cabra, mais do que real! Além do que, tenho testemunha! Diz ai sua cabra, fala alguma coisa....aconteceu, não aconteceu???

Um comentário:

Júlio disse...

Grande Nelsão! E se a cabra é testemhunha, não há porque duvidar.