por Julio Canuto
Saudações tricolores!
Eu estava pronto a postar um texto sobre o São Paulo F.C., as contratações e os próximos jogos, mas lendo as páginas de futebol, um assunto me pareceu urgente: o fair play.
MOLECAGENS
A novela Kléber, o "periquito gladiador" - como diz José Roberto Malia, colunista do ESPN.com - que causou tanta angústia a nossos amigos ordinários Beto Tristão e Lelezinho, várias discussões e muitas piadas, parece ter chegado ao fim. O jogador entrou em campo contra o C.R. Flamengo e liquidou qualquer possibilidade de se transferir para qualquer clube brasileiro da série A.
Quase no final do jogo, uma confusão foi gerada porque Kléber seguiu no lance até chutar pro gol numa bola ao chão, ocasionada pela paralisação para atendimento a jogador do C.R. Flamengo. A confusão saiu do gramado e continuou mesmo depois do jogo. Ofensas entre Willians e Kléber continuaram pela imprensa e via twitter. Willians chamou Kléber de babaca, enquanto Kléber mandava mensagens pelo twitter falando de Willians, que ele não é homem de falar isso na frente dele e... apagando as mensagens na sequencia (!?). Que molecagem.

Crédito da imagem: Agência Estado
Na imprensa esportiva, o assunto repercutiu. Uns dizendo que essa história de fair play não tem nada a ver, outros reprovando a atitude de Kléber. No primeiro grupo está Mauro Cezar Pereira, também colunista da ESPN que falou: "O que é o fair-play no futebol? Uma medida artificial criada por cartolas, algo que não tem qualquer relação com o jogo." Há quem pense assim, mas eu prefiro uma outra história, protagonizada por um gênio do futebol mundial e que adorava fazer molecagens, mas num outro sentido, que faz bem ao futebol.
O SURGIMENTO DO FAIR-PLAY NO FUTEBOL
Para explicar esta história, cito abaixo trecho de uma postagem de 11.05.2009 no blog Pula o Muro, intitulada Que história é essa de fair-play?, a partir de Estrela solitária: um brasileiro chamado Guarrincha. Segue:
Futebol é mesmo algo contraditório. Talvez seja o único esporte que o melhor time tem grande possbilidade de sair perdedor, assim como provavelmente o único que não se tem a obrigação de atacar. Nada na regra impede que o time fique tocando bola entre a defesa e o goleiro nos 90 minutos de partida, embora, claro, isso seja praticamente impossível de acontecer. O torcedor pode ficar louco de raiva se o seu time joga muito, mas não consegue marcar. E também pode ficar feliz da vida num jogo em que foi massacrado de dribles e jogadas bonitas mas conseguiu ter a sorte de não tomar gol e, além disso, fazer um gol também na mais pura sorte. Neste caso, não importa de que lado esteja, o relógio é o principal adversário: uns torcendo pra dar tempo de conseguirem ao menos um empate; outros torcendo desesperadamente pra que o jogo termine e o milagre aconteça de fato. Não se admite perder qualquer bola. A arquibancada, como já diria Nélson Rodrigues, é a pátria do palavrão. Parece que não há espaço para atitudes nobres, mas apenas a exigência de vencer.
No entanto, há episódios de altruísmo e humanismo extremos. Atitudes que funcionam como uma regra não-escrita. É o famoso fair-play. Ruy Castro é quem nos conta esta historia.
"Com toda a dureza de seus embates, Garrincha e Altair criariam, sem saber, um dos lances mais bonitos do futebol - e, desde então, incorporado às regras não escritas do cavalheirismo esportivo universal.
Foi no jogo Botafogo x Fluminense pelo torneio Rio-São Paulo de 1960, aos três minutos do segundo tempo. Numa disputa de bola com Quarentinha, Pinheiro caiu com distensão muscular e a bola sobrou limpa para Garrincha. Garrincha ouviu Pinheiro cair e gritar - e, em vez de avançar pela avenida em direção ao gol, jogou a bola de propósito pela lateral para que Pinheiro fosse socorrido.
Nas tribunas do Maracanã, o jornalista Mário Filho, ao ver aquilo, levantou-se da cadeira e exultou. A atitude de Garrincha era um beau geste, um exemplo do espírito humanitário e não violento que deveria caracterizar o esporte. Mario Filho abraçava-se às pessoas, apontava para Garrincha e dizia alto:
'É o Gandhi do futebol! É o Gandhi!'
Mas a beleza do lance ainda não havia terminado. O bandeirinha marcara o lateral a favor do Fluminense. Altair foi repor a bola em jogo e ficou na dúvida. Aquela bola, moralmente, não era do Fluminense. Então fingiu cobrar errado o lateral e fez a bola quicar e voltar para fora, devolvendo-a ao Botafogo. Todos entenderam o que ele quis dizer.
Tal partida não merecia produzir um perdedor. Talvez por isso tenha terminado em 2 x 2."
ATITUDES, PALAVRAS E HIPOCRISIAS
No mesmo S.E. Palmeiras vs. C.R. Flamengo, Thiago Neves e Ronaldinho Gaúcho forçaram o cartão amarelo que os tirou da próxima partida diante do Ceará, pra que voltem zerados nos próximos confrontos. Foi o próprio Thiago Neves que afirmou isso e causou irritação de Wanderley Luxemburgo e da diretoria do C.R. Falamengo. Ora, isso é comum no futebol. Qualquer jogador, próximo de uma partida decisiva intercalada com outra contra um time inferior, usa o artifício. O problema foi a declaração. Mas, como tudo pode piorar, veja a explicação do diretor de futebol do C.R. Flamengo:
"Não dominam a oratória?". Sei. Pra mim, o cara chamou os jogadores de "burros". Mas afinal, o que é mais grave: falar ou fazer?“Temos que ver com calma, avaliar se houve dolo. Aparentemente, não ouve. Há muitos grandes jogadores que não dominam a oratória. E chegam num aeroporto cheio, com vários microfones, dão suas derrapadas”
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Referência:
CASTRO, Ruy. Estrela solitária: um brasileiro chamado Guarrincha. São Paulo. Companhia das Letras. 1995.
3 comentários:
Excelente texto!! Podemos ficar horas à fio ilustrando casos, episódios e práticas esportivas que remetem a esta problemática.
E que cada um tire suas conclusões e dê seus pitacos, o que não dá é pra pegar um caso isolado e afirmar: esse cara é isso, aquilo, e não merece vestir camisa X ou Y. Devemos trazer os debates mais para o plano do coletivo, do comum, e menos para o subjetivo...Parabéns Julião, matou no peito com categoria e meteu caixa!!!Mostrou imparcialidade...
Abs
Obs:Hoje é sexta hein, ordinários..cadê o butequim?
Achei bem interessante a história do Garrincha, mas daí dizer que ele inventou o Fair Play, será que não é demais?
Os jornais da época já utilizaram essa nomenclatura? Pq "Beau geste" é bem diferente de Fair Play...
Atos de altruísmo no futebol nunca foram raros, e para falar a verdade,em nenhum esporte praticamente.
A questão é que hoje em dia o "falso fairplay" que o jornalista da ESPN falou, é utilizado como mais uma das táticas "malandras" do futebol.
Só o próprio termo já reflete as modernices que a FIFA impõe.
Olá, Henrique. Valeu pelo comentário.
Creio que, independente da nomenclatura, Ruy Castro nos conta este episódio que é exatamente igual ao que se convencionou chamar de "fair play". Se no momento foi chamado de "beau geste" e posteriormente de "fair play", pra mim pouco importa (aliás, dizem até que esse negócio foi invenção de um tal Barão, que não vem ao caso relembrar toda a história neste momento).
O fato é que eu apenas disse que prefiro esta história a pensar numa criação de cartolas etc, etc.
O futebol é podre nos bastidores, e eu me interesso só pelo que rola dentro das quatro linhas. E claro: ele reúne altruísmo e malandragem, o que é típico das nossas relações.
Um abraço.
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